...(Pre)Judicial ...
Segunda-Feira, inicio de uma semana de trabalho, na confusão matinal, do levantar-se e preparar-se para uma semana previsivelmente intensa, Maria Relâmpago pergunta a João Trovão:
- João! Viste ontem aquela notícia, que dizia que as queixas contra as justiça triplicaram?
- Vi! Mas isso é, nem mais nem menos que o resultado da iliteracia nacional! … pura e santa ignorância …
- Hein? ... Estás parvo ou fazes-te? Agora porque as pessoas exercem os seus direitos de

cidadania ... são considerados ignorantes?
- As pessoas têm o direito a exercer os seus direitos ... mas têm que perceber ... como, onde e em que circunstâncias!...
- E neste caso não têm razão?
- Claro que não! ... Mulher! Basta ver que se um sistema prejudicial é um sistema mau ... como é que alguma vez se pode exigir que o sistema judicial seja um sistema bom?...
***
... As explicações que faltavam dar
Num passeio domingueiro, João Trovão e Maria Relâmpago, passam em frente a um Palácio da Justiça.
Inspirada pelo momento, Maria questiona João:
- Tens estado a par das polémicas causadas pela entrada em vigor do Novo Código do Processo Penal?
- ... Só de alguns pormenores ...
A resposta vazia de João, leva a que Maria insista:
- E acerca do teor dessa Lei ... que permitiu a libertação de tanta gente, tens alguma opinião?
Da insistência, resultou que João começasse a “desbobinar”:
- Querida, o Código que agora entrou em vigor foi elaborado no auge de processos mediáticos ,como seja o da Casa Pia e outros que envolviam gente famosa, considerada acima de todas as suspeitas ... e a não entrada em vigor durante esse período foi o resultado de haver vozes moderadoras que se levantaram e que exigiram que a sua redacção fosse o resultado de reflexão ponderada e não a apresentação de medidas avulsas apresentadas à pressa, feitas de encomenda para libertar esta ou aquela personalidade do Jetset Nacional.
- Se houve uma reflexão, não parece! Agora toda a gente censura o seu texto!
O reparo de Maria é corroborado pelo marido, que explica:
- Na realidade, tempo para reflexão houve ... mas ninguém reflectiu coisa nenhuma e o que estava pensado nessa altura, foi o que acabou por ser aprovado.
Maria sente enormes dificuldades em entender quais foram as reais intenções do legislador e vota à carga:
- Então porque é que aqueles que poderiam ter ajudado à elaboração da Lei, agora estão incomodados com aos efeitos da aplicação da nova legislação?
- Isto foi assim, de início todos concordavam com a nova redacção; os políticos porque viram reduzida a possibilidade de eles, bem como dos seus “amigos” e conhecidos, serem presos e pensaram também que aquilo que se pretendia era simplesmente aplicação do Simplex à justiça criando mecanismos por forma a libertar hoje quem só poderia ser libertado amanhã; os advogados existentes, os estudantes de Direito e os demais agentes da justiça porque pensavam que o que o governo queria colocar os prevaricadores na rua afim de que viessem a causar distúrbios de modo darem trabalho a todos esses profissionais da justiça, sim porque se os criminosos estiverem todos nas cadeias, eles ficam sem trabalho; o “lobby” das Seguradoras porque viram na alteração à Lei, a possibilidade de aumento do seu volume de negócios; os membros do clero porque viram na alteração da lei uma forma de reforçar a ideia cristã do perdão, adicionando uma simples adenda ao espirito cristão da Lei .... dessa foram ao conceito de que «devemos perdoar a quem nos tem ofendido», imaginaram que agora só tinham que acrescentar simplesmente: «(...) roubado, violado, assassinado... » ... enfim todos os agentes económicos viram nessa medida a possibilidade do volume de negócios vir a aumentar fomentando dessa forma o crescimento da economia nacional ...
- E o que é que mudou entretanto?
- O problema de Código Penal se ter transformado numa caixinha de Surpresas, está mo facto do governo ter feito um género de jogada de xadrez, fez uma jogada com uns objectivos quando toda a gente pensava que os objectivos eram outros.
- Então quais são os objectivos do Governo ... ou do Estado? Não foi só uma formula habilidosa de esvaziar as prisões?
- Não! ... Ao reduzir o tempo de prisão preventiva o objectivo é tomar medidas no sentido de que os lesados não façam queixa por receio de represálias, as próprias polícias fugirão de prender quem quer que seja, pelos mesmos motivos ... desta forma estão criadas as condições para que sejam despedidos agentes policiais ... entretanto, havendo uma redução no número de queixas , haverá uma redução do número de processos nos tribunais, dessa forma o governo resolve o problema da existência de muitos processos pendentes e da celeridade da justiça e ainda conseguirá uma redução do número de horas extraordinárias, bem assim como na quantidade de juizes e funcionários judiciais e com um pouco de sorte ainda consegue encerrar um ou outro tribunal... e logicamente que havendo menos processos, e menos presos, fica resolvida a situação de superlotação das prisões portuguesas, assunto que tem merecido repetidos reparos da Amnistia Internacional ... e ainda podem garantir a pés juntos que o índice estatístico de criminalidade vai baixar ... só vantagens! ... económicas para a contenção de despesas e não só por parte do governo ... só que logicamente todas estes metas esbarram nos interesses de muito boa gente, que de um momento para o outro vêem o seu emprego colocado em risco e para além dos já citados policias, guardas, guardas prisionais, funcionários dos tribunais e das cadeias ... ainda há o grupo dos intocáveis - os advogados, pois sem queixas, não há processos a decorrer e sem processos, e nessas circunstâncias os advogados não são precisos para coisa nenhuma ... não admira portanto que estes estejam a reagir corporativa à introdução da nova legislação ... ou seja a media só salvaguarda os interesses dos bandidos, das seguradoras que terão mais pessoas a fazer seguros de vida e contra roubo e todos os demais agentes económicos que verão os lesados a adquirir novos bens afim de substituir os roubados ou danificados por quem o Estado quer ver longe das grades ...
à Portuguesa
João Trovão relia uma notícia que foi manchete ... quando um turbilhão de pensamentos lhe causou um enorme desassossego, ao ponto de ficar a matutar numa questão:
Porque será que sempre que algo me faz recordar os processos mediáticos do tipo “Apito Dourado”, “Casa Pia” e outros ... fico com a ideia que nos Tribunais portugueses, quando há muitos interesses em jogo ... os processos arrastam-se de recurso em recurso até à prescrição final?...
Hospital condenado por erro médico O Hospital de S. Marcos (HSM), em Braga, foi condenado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a pagar 112 500 euros por um "erro médico" num parto, que levou a graves lesões no bebé, hoje já com 14 anos e incapacitado, parcialmente, a nível motor. Uma vitória, quase dez anos passados sobre a queixa, que, para a mãe do adolescente, nunca compensará os anos de complicações de saúde, incluindo os cinco que passou a tratar o filho por uma paralisia cerebral que acredita nunca ter existido. Hélder, que reside em Rio Mau, Vila Verde, é hoje um adolescente bem integrado, a frequentar o 9º ano de escolaridade. Nem gosta muito que se aborde a sua história, pois nunca se sentiu "diferente" na escola e receia que a exposição mediática "mude tudo". A mãe, Alexandrina Sousa, explica-lhe que apenas quer mostrar o caso publicamente, "para que nunca mais se repitam exemplos destes". Tudo se passou em 1993, quando a mãe seguiu para o hospital bracarense com uma carta de recomendação da médica de família que dizia expressamente "que o parto devia ser de cesariana, pois havia antecedentes de um parto com ventosas num primeiro filho", conta. Havia ainda duas ecografias feitas no HSM, que indicavam que o bebé estava de pés para baixo. "As médicas acharam que era um bebé pequeno, de três quilos, e optaram pelo parto natural, mesmo estando ele na posição errada", conta. Paralisia cerebral... O que se seguiu foi "um enorme sofrimento". A criança terá ficado "entalada", o que lhe provocou várias lesões, uma delas no ombro. Daí em diante foi um não parar de terapias, já que a criança apresentava também problemas respiratórios frequentes. "Ficou entre a vida e a morte". Depois disso, os médicos do HSM recomendaram que Hélder passasse a frequentar uma instituição de acompanhamento da paralisia cerebral. Aos poucos, Alexandrina foi constatando que, para lá do braço que nunca conseguiu mexer e de todas as complicações respiratórias, o filho desenvolveu bem a todos os níveis. "Falava, andava bem, era um menino inteligente e feliz. Fui-me afastando dali, pois achei que nada estava lá a fazer". Outros exames confirmariam que o menino não tinha nada a nível cerebral". Aos 12 anos, Hélder registava uma incapacidade superior a 60%, estatística que o advogado da família considera que vai aumentar com novo exame, aos 16, razão pela qual pediu uma indemnização de 150 mil euros. A queixa cível entrou em 1998 e a decisão que deu razão à família saiu a 13 de Junho. O HSM, que pondera recorrer da decisão, assegura não ter recebido ainda a notificação do Tribunal. Mais o advogado da administração adiantou já discordar do valor das indemnizações.. Denisa Sousa Queixas de vária ordem As queixas por negligência médica podem seguir a via dos tribunais, como esta de Braga, da Inspecção-Geral de Saúde (IGS), quando for um serviço público, ou da Ordem dos Médicos (OM). Das mais de 37 mil que chegaram à IGS em 2006, através do "livro amarelo" de reclamações, 54% envolvem médicos e 10% são por assitência negligente. Os hospitais mais visados são o Santa Maria, o S. João e o de Almada. Na OM, cada um dos três conselhos disciplinares regionais apresenta dados díspares. No Sul, da média anual de 250 queixas (estabilizada há dois anos), um terço é por negligência, ainda assim mais do que no Centro, onde também não têm aumentado. No Norte, o aumento é grande (só o último trimestre registou mais do que todo o ano de 2006), mas poucas são por negligência. |