… Um Portal 100%, ou 200% Virtual?
João Trovão e Maria Relâmpago trocam impressões sobre o mundo que os rodeia até que João pergunta:
- Então e … sabias que aí a nossa vizinha do lado comprou um lote de terreno e vai construir uma vivenda?
- E já tem projecto aprovado?
- Não. Mas acho que já o mandou fazer.
- E mandou-o fazer a alguém que trabalhe na Câmara ou tenha lá uns amigos?
- Sei lá! Mas porque perguntas? … Os projectos não podem ser feitos por alguém que não tenha lá ninguém conhecido?...
- Poderia! Mas se não vivêssemos em Portugal! … Porque no se refere à apreciação dos projectos de arquitectura por parte das Câmaras Municipais e não só, tudo é muito confuso.
- Como assim?
Para responder à pergunta de João Trovão, Maria Relâmpago respira fundo e começa a desbobinar:
- Primeiro, temos as áreas definidas nos PDM’s onde os pequenos proprietários não podem construir em nome do interesse geral, porque são terrenos integrados nas áreas de reserva agrícola ou ecológica … mas se for preciso esses proprietários vendem os terrenos a grandes empresários e no dia seguinte já se pode fazer um grande empreendimento … em nome do suposto interesse público … em segundo, temos que numa Europa que se quer unida e com uma legislação única, em Portugal cada município tem uma legislação própria, conclusão, de Câmara para Câmara os conceitos têm leituras diferenciadas, por exemplo nuns Municipos a área de construção engloba os telheiros, noutras não engloba e escuta! Há Câmaras … que alteram até a legislação nacional, ou seja a legislação nacional diz que o termo de Responsabilidade dos técnicos autores dos projectos deve ser desenvolvida nuns termos e há Câmaras que dizem que tem que ser de outra …
- Bem, e não me digas que nessas Câmaras se um técnico entregar o projecto com o Termo de Responsabilidade segundo a legislação nacional ele não é aceite?
- Digo pois, mas digo mais, os técnicos camarários são frequentemente vistos fora das instalações onde desenvolvem a sua actividade, chegando a ser vistos nos cafés e até mesmo nos salões de cabeleireiro … e quando chegam ao seu gabinete vão dar a volta aos projectos que eles próprios efectuaram, aos dos amigos e aos de quem lhes deu uma “prendinha” … enquanto os restantes requerentes ficam a aboborar em cima da secretária … só assim se compreende as diferenças notórias no tempo de resposta a uns e outros processos, respectivamente …
***
Supostamente com o objectivo de acabar com o regabofe que segundo se diz (por exemplo aqui: http://jn.sapo.pt/PaginaInicial/Interior.aspx?content_id=679417), reinará em alguns departamentos públicos e com a ideia de agilizar os processos de licenciamento de obras, em conjunto com as alterações à lei, foi lançado o Portal do Licenciamento.
No passado dia 10 de Julho (de 2008) esse lançamento foi noticiado em diversos órgãos de comunicação, e o Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local publicou a informação que se pode ler em http://www.seaal.gov.pt/seaal/pt/com/20080710.htm e que seguidamente transcrevo.
Portal do Licenciamento agiliza processos e prazos O Portal do Licenciamento está disponível a partir de hoje, www.portalautarquico.pt/rjue, para autarquias, comissões de coordenação e desenvolvimento regional e outras entidades externas que têm de se pronunciar num processo de licenciamento urbano. Pensado e estruturado em conjunto por todos os intervenientes para que o novo Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação seja facilmente cumprido, o Portal do Licenciamento vai permitir ganhos de produtividade nos serviços e níveis de satisfação elevados junto dos requerentes. As vantagens mais evidentes do Portal do Licenciamento são: - Processos desmaterializados e acessíveis on-line a todos os intervenientes autorizados - Informação actualizada, registo de acções e sistema de alertas - Visão global de todos os processos em curso - Flexibilidade na gestão dos processos de importância estratégica - Cumprimento dos prazos previstos na lei - Melhor relação com os munícipes Com o Portal do Licenciamento, desde o dia de entrada de um pedido de licenciamento até à entrega dos pedidos de autorização junto das entidades externas decorrem apenas cinco dias. Uma vez que todos os documentos são digitalizados e disponibilizados aos intervenientes, através do Portal, não há qualquer circulação de papel. As entidades externas têm, a partir desse momento, 20 dias para darem o seu parecer, período findo o qual os pedidos são tacitamente aprovados. Ou seja, um mês depois de iniciado o processo, a autarquia está em condições de elaborar o parecer final e informar o requerente, via e-mail, para que proceda ao pagamento das taxas e possa iniciar a sua obra. |
Conforme já foi referido, muitos órgãos de comunicação social fizeram eco desta mesma notícia complementando-a com informação de que cerca de meia centena de Municípios tinham já aderido a este programa. O interesse que me despertou esta notícia levou-me a visitar o referido site onde se pode ler:
Âmbito A Lei nº 60/2007, de 4 de Setembro, introduziu modificações profundas ao Regime Jurídico da Urbanização e Edificação visando nomeadamente o aumento da celeridade processual associada aos diferentes tipos de requerimentos e reforçar a eficácia e eficiência das acções de controlo e fiscalização. Neste âmbito a DGAL (Direcção-Geral das Autarquias Locais) decidiu implementar um Sistema Integrado de Informação de Suporte ao Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Direcção-Geral das Autarquias Locais Presidência do Concelho de Ministros Secretário Estado Adjunto e da Administração Local |
Neste mesmo site podemos ver um documento com informação útil sobre a legislação actualmente em vigor relativamente aos pedidos de licenciamento para a execução de obras, nomeadamente um documento que nos oferece um conjunto de quadros explicativos e que permite uma comparação entre a legislação actual e a anterior e que tem o link
Os procedimentos do RJUE são executados conforme a operação urbanística incorrida pelo requerente, sendo exigido controlo prévio no: i) Comunicação prévia, ii) licenciamento e iii) Autorização de utilização RJUE e seus objectivos | | Procedimentos a executar em operações urbanísticas - Lei nº60/2007 de 4 de Setembro | | A. Procedimentos | | 1. Informação prévia | 2. Comunicação prévia | 3. Licenciamento | 4. Autorização de utilização | 5. Isento | B. O p e r a ç õ e s u r b a n í s t i c a s | Obras de conservação (artigo 2º, alínea f) | | | (2) | | | Obras de reconstrução (Com / Sem preservação das fachadas) (artigo 2º, alíneas c) e n) | (Com) | (Sem +Com (2)) | | | Obras de alteração (artigo 2º, alínea e) | (1) | (2) | | (ocorre no interior dos edifícios e não implica modificações na estrutura de estabilidade, das cérceas, da forma das fachadas e da forma dos telhados) | Obras de ampliação (artigo 2º, alínea d) | (1) | | | | Obras de construção (artigo 2º, alínea b) | (1) | | | | Obras de demolição (artigo 2º, alínea g) | | (quando não previstas em licença de obras de reconstrução) | | | Obras de escassa relevância urbanística (artigo 6º-A) | | (2i) | | | Operações de loteamento (artigo 2º, alínea i) | (se precedida de informação prévia favorável) | | | | Obras de urbanização (artigo 2º, alínea h) | (3) | | | | Trabalhos de remodelação de terrenos (artigo 2º, alínea l) | (3) | | | | Utilização de edifícios e solos (artigo 2º, alínea l); artigo 4º, nº4) | (alterações à utilização de edifícios, bem como o arrendamento para fins não habitacionais de prédios ou fracções não licenciados) | (utilização de solos, excepto quando destinada a fins exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água) | (Utilização dos edifícios ou suas fracções, bem como as alterações da utilização dos mesmos) | | | Procedimentos onde é exigido controlo prévio | | (1)Aplicável a: i) imóveis inseridos em áreas abrangidas por operação de loteamento ou plano de pormenor; ii) zona urbana consolidada, desde que respeite o Plano Director Municipal. (2)Aplicável em: i) imóveis classificados ou em vias de classificação e imóveis situados nas zonas de protecção de imóveis classificados ou em vias de classificação; ii) imóveis integrados em conjuntos ou sítios classificados; iii) áreas sujeitas a servidão administrativa ou restrição de utilidade pública. (3)Aplicável quando integradas em área abrangida por operação de loteamento | DIRECÇÃO-GERAL DAS AUTARQUIAS LOCAIS Presidência do Conselho de Ministros Secretário Estado Adjunto e da Administração Local |
Mas muito importante, nesse site ficamos a saber que caso se pretenda obter mais informações, enviar uma sugestão ou reclamação, podemos enviar um e-mail para info@dgal.pt. Foi para esse endereço que enviamos duas mensagens, primeiramente para saber quais eram afinal as 50 Câmaras que já haviam aderido ao projecto e mais tarde para solicitar o balanço da iniciativa. As resposta obtidas estão no quadro seguinte.
Pois! Não a conseguiram ler? Também eu não.
Não sei o que motivou esta falta de resposta, não sei se se deve ao facto das pessoas que trabalham no dito Portal estarem muito ocupadas, ou porque ainda andam a escolher as cadeiras e as secretárias para o gabinete, ou então … o Portal é 200% virtual.
Salienta-se, contudo, que este blogue estará sempre disponível para divulgar toda e qualquer informação sobre assunto.
Portal do Licenciamento (Urbano) |
Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local |
... Para os Arquitectos
Maria Relâmpago e João Trovão foram da um passeio por uma zona rural. Para grande surpresa de Maria, entre as casas com uma arquitectura tradicional, pintadas de branco ou com cores claras e com coberturas inclinadas, em telha cerâmica à cor natural, encontra uma moradia com cores fortes, grandes áreas envidraçadas e com cobertura plana e não consegue evitar ao desabafo em forma de pergunta:
- Quem terá feito isto aqui? ... algum emigrante de regresso à terra natal?
Pelo conhecimento que tinha da situação, João explica:
- Emigrante pareces-me tu! ... Não vês que se fosse um emigrante, as cores até podiam ser as mesmas, mas teríamos aí uma cobertura escura e mais inclinada do que as casas tradicionais portuguesas ... - Então quem fez isto assim? ... Completamente fora do contexto?
- Então, não se vê logo que isso é projecto de arquitecto? ... lá com as teorias da arquitectura bioclimática, num estilo animalista ou minimalista ... ou lá como é que eles chamam a esses mamarrachos cúbicos, envidraçados ...
- Mas como é que as Câmaras Municipais permitem estas monstruosidades?
- É assim, se fossem feitos por um desenhador ou por um engenheiro, não permitiam, alegariam que não se enquadrava na traça arquitectónica do sítio ... mas como é feito por um arquitecto, já permitem.
- Então porquê essa dualidade de critérios?
João Trovão respira fundo e responde:
- É fácil! As pessoas que conseguem o famigerado “canudo” em arquitectura, podem até nem saber organizar os espaços de uma cozinha, podem até não saber distribuir da melhor forma as peças sanitárias de uma casa de banho ... e em termos técnicos, podem até ter enormes dificuldades no que concerne na assimilação de princípios básicos de Geometria Descritiva ... mas é garantido que quem o tem, adquiriu certamente os conhecimentos necessários para conseguir argumentar e justificar muito bem as soluções que desenvolve ... por mais aberrantes que sejam os seus projectos ... afinal de contas, eles é que são os arquitectos, eles é que sabem!...
- Achas?... Que se vejam, as casas antigas, efectuadas em pedra, nas zonas rurais não precisaram de ser projectadas por arquitectos para terem a melhor orientação para poderem aproveitar a exposição solar ...